A resposta de Freud à mãe que pediu 'cura gay' para o filho


Um dos fundadores da psicanálise e um dos mais importantes e influentes médicos de todos os tempos, o austríaco Sigmund Freud impactou a forma com que nos relacionamos com todos os aspectos mais profundos da existência humana de forma revolucionária. Freud tornou-se sinônimo de conhecimento sobre as mais complexas questões humanas – e nenhum aspecto de suas pesquisas é mais importante do que a sexualidade.
Freud tornou-se pioneiro nos estudos da sexualidade humana, ajudando a iluminar o obscurantismo que insiste (lamentavelmente até hoje) em reprimir e violentar as pessoas através de padrões impostos, baseados em premissas tão questionáveis quanto a religião, a política e a manutenção de poderes que nada tem a ver com a medicina, a psicanálise ou a ciência – e que criam os exemplos que levam ao preconceito, à exclusão e à violência.
Em 1935, quatro anos antes de sua morte, quando Freud já era uma sumidade no campo dos estudos da mente humana, o médico recebeu uma carta de uma mãe, que pedia que o doutor ajudasse seu filho. Pela carta, Freud deduziu que o filho em questão era homossexual, e que a mãe desejava que o jovem fosse “curado”. A resposta do psicanalista, mais de 80 anos atrás, segue precisa e fundamental – e revela a percepção do doutor a respeito das orientações sexuais.
Se assustadoramente ainda é necessário evocar tal escrita – e que triste o mundo que segue precisando dessa carta como resposta – é um pequeno alívio, em tempos que retomam ideias tão equivocadas e retrogradas como a de uma “cura” gay, podermos recorrer a uma autoridade como Freud para sublinhar o evidente: não há nada a se envergonhar na homossexualidade, que não é uma doença, como o psicanalista confirma na carta abaixo, escrita em resposta à tal mãe.
19 de abril de 1935
Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.
Se você mudar de ideia ele deve ser analisado por mim – eu não espero que você vá – ele terá de vir a Viena. Não tenho a intenção de sair daqui. No entanto, não deixe de me responder.
Sinceramente meus melhores desejos, 
Freud
Anos mais tarde a carta foi passada para o biólogo Alfred Kinsey, um dos pioneiros no estudo da sexologia, e publicada no American Journey of Psychiatry, em 1951.

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